Esses dias ouvi um episódio de um podcast que eu gosto muito, de uma amiga muito querida, mas que tocou numa ferida minha: a adolescência e a forma como ela é retratada ainda hoje.
No episódio QUINZE ANOS, do podcast NÃO INVIABILIZE, que é merecidamente um sucesso absoluto, a Andréa (que eu amo de paixão e todo mundo sabe) relata a história de uma mãe cansada, desgastada e que finalmente tem algum sopro de alívio quando o pai da sua filha de quinze anos assume a criação dela.
Ao perceber que na casa do pai ela não teria as expectativas que criou atendidas, a adolescente demonstra desejo de regressar para os cuidados da mãe, que então nega e diz só receber a filha agora nas datas previstas no combinado ou, quando fora delas, por períodos curtos de horas, apenas.
O viés do relato
A primeira coisa que me incomodou foi o viés do relato, totalmente voltado apenas e somente para o olhar para essa mãe que, claro merece ser vista, ouvida e acolhida, mas não de forma única, como se a adolescente não existisse enquanto pessoa, apenas enquanto “algo” que pai e mãe decidem o que e como sentir.
Cheguei a ver gente mandar a garota se f*der, a ofende-la, acusa-la etc, sendo que ela jamais foi ouvida e jamais teve um mínimo de acolhimento para ao menos entendermos sua versão.
E é assim que a sociedade vê a criança e o adolescente mesmo: como seres que não precisam ser ouvidos. Já basta se a mãe e/ou o pai falam por eles.
Uma mãe que acha ok estigmatizar a filha?
Outra coisa que me incomodou demais, foi a mãe achar super ok estigmatizar a filha, a quem ela adjetivou e também culpabilizou por atitudes e comportamentos que, no meu entender, poderiam ter outras origens a serem observadas e não apenas serem tratados como mero capricho.
Como uma mãe fica tranquila vendo as pessoas massacrarem sua única filha e só se manifesta incomodada quanto aos julgamentos feitos sobre ela mesma?
“Pra cá, ela não volta mais. Só vem como visita agora”
Isso me pegou demais, porque fico imaginando como essa mensagem vai soar quando essa garota for pra um relacionamento e o pai, sei lá, tiver morrido e ela se sentir com vontade de romper, por exemplo?
“Mas pra onde vou? Pra casa da minha mãe não posso voltar”
Ou se ela estiver passando sérias dificuldades na vida adulta?
“Fui despejada. Agora precisarei viver marginalizada, porque pra casa da minha mãe ela já disse que não volto nunca mais”.
Errar é humano, ainda mais aos quinze anos
Errar é humano e todo mundo sabe disso. Mas aparentemente, adolescentes não são humanos, porque não podem errar.
Eu acho um ABSURDO quando pais tomam decisões definitivas durante a adolescência dos filhos, que é a fase mais instável, transicional e quando a gente mais cria expectativas fantasiosas sobre situações e pessoas.
Ok ela não voltar para casa
Dito tudo isso, salvo o fato dela estar sofrendo com situações abusivas na casa do pai, eu acho ok a mãe segurar ao máximo a condição de liberdade que ela tem com a filha morando com o pai.
No entanto, o que me incomoda é a comunicação da impossibilidade, de não haver espaços pra abertura.
“Ela foi porque quis”. Exatamente. Igual a gente começa namoro porque quis, depois vê que não era como queríamos e volta atrás. Igual a gente começa num emprego e depois vê que não é como a gente queria e aí volta atrás.
Voltar atrás NÃO PODE ser um problema. Revisar rotas é fundamental e desencorajar isso é justamente ensinar o pior que há pra uma mulher: aceitação sem questionamento.
O patriarcado e a menina de QUINZE ANOS
Vi gente argumentando que defender a menina ou discordar da mãe seria reforçar o patriarcado.
Ora, mas no meu feminismo, meninas de 15 anos também merecem, precisam e estão incluídas nas pautas.
Especialmente diante de uma situação onde a parte vulnerável é justamente ela e os demais envolvidos são ADULTOS.
A questão aqui não é sobre o embate da ausência de responsabilidades do pai por 15 anos.
É sobre uma filha de quinze anos que foi estigmatizada, jamais foi ouvida, que teve uma história contada somente sob um viés que não foi o dela e que, sobretudo, não teve o direito de errar e voltar atrás, apesar de ser uma adolescente e que isso deveria ser uma garantia pra ela, assim aprenderia a avaliar melhor quando adulta.
Mas enfim, capaz de ter gente me xingando depois desse texto. Mas até que vai ser bom, assim param de xingar um pouco essa adolescente e também a mãe dela, por quem tenho imensa empatia.
Valeu e até a próxima 💞